Melhores férias
- Denise Flores

- 9 de set. de 2020
- 4 min de leitura
Das saudades da infância, sinto falta das férias em Paracatu.
Gostava de ficar hospedada na casa da Tia Alice. Ela tinha um armário com vários objetos antigos: ferro de passar brasa-carvão, caldeirões, pratos… Se fecho os olhos sou capaz de enxergar muitos deles. Para ela, eram utensílios de cozinha que viraram decoração, para mim e para minhas irmãs, era a melhor versão do famoso “brincar de casinha”.
Tia Alice fazia o melhor biscoito frito que já existiu. Adorava quando fazíamos chup-chup de ki-suco de groselha. Ela fazia o suco e nós usávamos um funil para encher cada saquinho. Depois, era só colocar na geladeira vermelha e esperar ficar pronto.
Nós dormíamos, às três e minha mãe, a partir da porta de entrada, no primeiro quarto a esquerda, o acendedor de luz era do modelo que descia em um fio e ficava dependurado, achava aquilo bem chique.
A casa ao lado era a loja do seu Jarbas, que tinha uma infinidade de coisas lindas que me faziam brilhar os olhos. De lá, ganhei dois presentes, um perfume que a embalagem era um corpo de menina e a tampa uma cabeça de boneca, com direito a um cabelo loiro preso em um rabo de cavalo, e um batom daqueles de embalagem em forma de morango.
Na esquina debaixo tinha o Boca da Lua, um bar no qual comprávamos balas de maçã verde. Às vezes minha mãe levava eu e minhas irmãs para comprar revistas, eu sempre escolhia a de trocar roupas de boneca. Tinha que cortar as roupas com cuidado para não cortar por engano o pedacinho que quando dobrado prendia a roupa à boneca.
Em frente a casa tem a Praça da Igreja do Rosário. Amávamos correr na praça e brincar no coreto. Depois da missa, era possível comprar pipoca com molho de pimenta. Meus primos chutavam os postes para apagar as luzes, mas eu tinha medo disso e achava errado.
A única vez que não foi divertido ir a praça foi quando caí em um mini bueiro aberto e fiquei toda suja e fedendo.
Na parte de trás da praça, tinha uma árvore, que hoje sei, é um hibisco. Mas que na época era a árvore da flor de princesa. Esse nome é porque pegávamos a flor e íamos tirando os pedaços e contando a história: a princesa tirava a coroa, soltava o cabelo, tirava a roupa, aí apertávamos a ponta debaixo da flor, e a princesa fazia cocô. Contando assim talvez não faça sentido, mas era divertido, coisa de criança.
Na rua debaixo tinha a sorveteria “Rainha”, meu sorvete predileto era o “Arco-íris” que vinha sorvete, chantilly, calda de chocolate e cubos coloridos de gelatina, daí o nome.
Sempre tinha um dia para visitarmos os outros tios-avós, na casa do Tio Julião tinha um quintal imenso. Nem sei se era tão grande, mas para mim era imenso, ficava impressionada que alguém pudesse ter tantas plantas em casa. Meu pai era sócio da vendinha ao lado da casa da Tia Lúcia, não fazia ideia do que isso significava, mas achava importante, e uma vez voltei de lá com um caderninho que tinha a Angélica na capa e isso me deixou bem feliz.
Nos finais de semana íamos a roça, para vermos a Tia Elza e o Tio Domingos. O momento de entrar no galinheiro para tirar fotos com os pintinhos era simplesmente mágico. Andar a cavalo, ou pelo menos subir em um por alguns minutos, era muito emocionante. E a Tia Elza faz o melhor doce de leite cortado de todo o planeta.
Tiveram duas férias que ganhamos bônus na viagem. Em uma, o Tio Luzimar nos levou para visitar o Tio Sérgio, Tia Elizete e os meninos na Cutia. Não sei a distância, mas na época pareceu uma vida inteira em uma estrada de terra.
Em um outro ano, fomos até Cristalina visitar a Tia Anita. A cidade tem muitas lojas que vendem objetos feitos em pedras, eu ganhei uma família de coelhos em pedra rosa claro e uma família de tartarugas em pedra verde. Aqueles bichinhos esculpidos em pedra faziam brilhar meus olhos. Hoje, certamente escolheria uma família de gatos.
Geralmente passávamos as férias com minha mãe, e o meu pai ía nos últimos dias para nos buscar. Ele ficava em BH trabalhando. Sei que isso era necessário, mas isso também fez com que ele perdesse muita coisa divertida.
Quando ele chegava sempre íamos ao cemitério. Não tenho certeza de com qual idade passei a fazer isso. Mas comprar flores e levar ao cemitério tornou-se algo sagrado para mim. Até hoje. Primeiro, íamos ao túmulo dos meus avôs, depois no dos bisavós. Em um certo momento, passei a levar uma flor para a Marcele, uma prima de segundo grau que morreu muito jovem. Depois, o túmulo do Alcir, filho da Tia Elza, não conheci ele, morreu assassinado em uma emboscada, Tia Elza “preferiu” ser a mãe da vítima à ser mãe do algoz, ela é uma das mulheres mais fortes que conheci na vida. Então, subíamos até o túmulo da Maria Célia, uma amiga do meu pai que morreu jovem, câncer no pulmão. Depois de alguns anos o túmulo do Tio Luzimar entrou nesse circuito, ele é a primeira pessoa que conheço que suicidou. Hoje em dia, sempre que vou a Capim Branco, levo flores no túmulo do meu pai.
Meu pai foi muito amado por toda família, sempre éramos bem recebidas e todo mundo fazia questão que tivéssemos ótimas férias. Com o passar dos anos, a casa da Tia Alice virou casa da Tia Julia. Recebeu algumas melhorias, mas o lugar predileto seguiu sendo a escada na porta da frente, três degraus onde todos disputavam um lugar, para conversar, rir e ver o tempo passar.
Denise Flores
9 SET 2020






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